Dentre coisas positivas que
aconteceram no futebol em 2014, como a Copa do Mundo no Brasil e o
tetracampeonato brasileiro do Cruzeiro, um fato negativo ficou marcado na
memória dos amantes do esporte mais popular do nosso país.
No mês de agosto daquele ano, em
uma partida entre Grêmio e Santos válida pelas oitavas de final da Copa do
Brasil, o então goleiro Mário Lúcio Duarte Costa, mais conhecido como Aranha,
teve uma grande atuação ajudando o Santos a vencer o duelo. Mas durante a
partida, o jogador foi insultado por parte dos torcedores adversários, que
imitavam macaco em clara ofensa racista. Os gestos foram flagrados pelas
câmeras de TV.
Desde o acontecido, Aranha passou
a ter uma forte atuação no combate ao racismo no esporte. Nesta quarta-feira, a
pedido de Wendel, treinador da equipe Sub-14 do Cruzeiro e que jogou com Aranha
na Ponte Preta-SP, o ex-goleiro participou de um bate-papo on-line com atletas
da base cruzeirense. Participaram da conversa garotos do Sub-11 ao Sub-16.
Aranha começou falando sobre o
histórico dos negros no futebol brasileiro. Falou também do preconceito com os
goleiros negros, desde os tempos de Barbosa na Copa do Mundo de 1950.
“Eu não conseguia muitos testes
porque o goleiro negro não era confiável. Até que vieram Dida e Jeferson, que
jogaram no Cruzeiro, e tiveram sucesso na Seleção Brasileira. Eles quebraram o
estigma de que goleiro negro não era confiável”, revelou.
“O futebol chegou ao Brasil seis
anos após o fim da escravidão. Era um esporte para a elite branca. O negro não podia
se associar a um clube para jogador futebol, não tinha condições financeiras e
não era aceito. Até hoje temos pessoas que não aceitam os negros, coisas
passadas de pais para filhos”, completou.
O ex-jogador comentou sobre a
noite marcante em Porto Alegre, quando todo o mundo assistiu às ofensas
racistas sofridas por ele.
“No jogo contra o Grêmio, eu me
concentrei na hora dos xingamentos porque sabia que não poderia errar. Se eu
cometesse algum erro, o foco seria nisso e não nas ofensas. Na época eu e meus
companheiros fomos ao árbitro pedir ele tomar alguma atitude, mas o juiz não
quis fazer nada e seguiu o jogo, mas a partida foi transmitida para todo país e
todo mundo viu o que aconteceu”, contou.
Apesar do lance de 2014 ter
ficado marcado para todo mundo, Aranha revelou que já passou por situações
ainda piores na sua carreira.
“Uma vez jogando no interior de
Santa Catarina, a torcida jogou copos com urina em cima de mim, falando que
agora o macaco estava limpo. Como a partida não tinha transmissão, o caso não
teve repercussão, não tinha imagens. Nessas situações temos que tentar manter a
calma, se eu revidar ou fizer alguma coisa, vão focar somente na minha reação.
É muito difícil, temos que pensar bem antes de tomar qualquer atitude raivosa”,
falou.
Aranha destacou a importância do
apoio e da união dos companheiros em qualquer caso de discriminação, seja
racismo, homofobia ou outro preconceito.
“Vocês precisam fazer duas coisas
se acontecer algo parecido perto de vocês. Primeiro é não deixar o companheiro
sozinho. Segundo é falar que sentiu como foi se fosse com um irmão de vocês.
Temos que sentir a dor dos companheiros, hoje a vaia é em um, amanhã será com
outro. Todo mundo pode passar por uma situação difícil”, ensinou.
Ele também comentou sobre
situações de racismo estrutural nas categorias de base de vários clubes brasileiros.
“Alguns diretores preferem
selecionar nos testes atletas brancos, que podem tirar passaporte europeu, do
que os negros. Eles não pensam no atleta atuando em seus clubes e sim em vendas
para Europa. O negro quando é vendido ele tem que ser muito acima da média,
estar na seleção. Já o branco com passaporte europeu tem maior facilidade”,
finalizou.
O evento faz parte do trabalho da
formação integral dos atletas, proposto pela diretoria estrelada. As jovens
promessas cruzeirenses participaram de atividades extracampo que buscam trazer
um crescimento social, intelectual e de cidadania.
Desde o ano passado, o Cruzeiro Esporte Clube possui um Comitê de Diversidade e Inclusão, responsável por discutir temas cruciais e desenvolver projetos sobre equidade de gênero, pessoa com deficiência, LGBTQI+ e diversidade racial, norteando as ações, políticas e planejamento do clube nestas áreas. O comitê está acompanhando esta importante iniciativa da base.